terça-feira, agosto 31, 2010

Crónica de um aprendiz de bombeiro


No dia 30 de Agosto, acordei por volta das 10.00, como é habitual em tempo de férias. Liguei o rádio e ouvi o apelo de Rui Moisés, Presidente da Câmara Municipal de Santana, solicitando a colaboração de voluntários para combater o incêncio que lavrava na zona do Ribeiro Frio. Depois de uma breve hesitação, decidi dar o meu contributo cívico em prol da defesa da laurissilva madeirense, justamente classificada de Património da Humanidade.

Vesti roupa apropriada, calcei umas botas todo-o-terreno, tomei um pequeno almoço ligeiro, arrumei uma mochila com alimentação ligeira e alguns líquidos, fui buscar uma enxada à arrecadação e parti, a toda a velocidade, com destino ao "pulmão" em chamas, numa zona que me habituei a ver verde, desde a adolêscencia, nomeadamente nas viagens escolares Faial-Funchal e vice-versa.

Como vivo no Funchal, segui o trajecto antigo, ou seja, subi o Monte, pela estrada regional, passando pelo Poiso. Durante o percurso, feito pela primeira vez após o incêndio que carbonizou o Parque Ecológico do Funchal e arredores, fiquei com maior vontade de colaborar nesta acção cívica, dada a enorme dor que a paisagem queimada me causava.

Sintonizei a RDP-M, Antena 1, e, às 11.00, o pedido de voluntários para combater os incêndios nos Balcões do Ribeiro Frio mereceu destaque no Noticiário nacional, o que me deixou ainda mais preocupado e mobilizado para a responder ao apelo. O cenário que me rodeava, antes de chegar ao Montado do Pereiro - perto da Herdade Chão da Lagoa - fez-me lembrar filmes de guerra, em tudo morre em combate, uma espécie de mega cemitério. Ainda me questionei se os fogos florestais tinham sido responsáveis inclusive pela alteração da toponimia...

Acelerei o mais que pude e comecei a descer do Poiso para o Ribeiro Frio, vislumbrando ao longe algumas nuvens de fumo ligeiramente claro, o que me fez deduzir que não poderia ser assim tão grave a situação que me esperava.

Chegado à zona comercial do meu destino, identifiquei apenas um carro dos Bombeiros Voluntários de Santana e pressenti que deveria estacionar naquele local o meu automóvel. Assim fiz e dirigi-me à levada dos Balcões, uma das principais atracções turísticas do concelho e talvez da RAM, que se encontrava aberta às visitas. Ao longo da caminhada, deparei-me com vários turistas, o que me fez concluir que os incêndios ameaçadores de que ouvira falar na rádio ainda estariam muito longe.

Estava enganado, já que, depois de contornar dois ou três vales pequenos, finalmente encontrei bombeiros, políticos, guardas florestais, populares e repórteres, junto a um bar, localizado mesmo na babujinha da levada. Do fogo, nada.

Cumprimentei o sr. Presidente da Câmara, o sr. Comandante dos Bombeiros e alguns populares. Perguntei-lhes em que poderia ser útil e um político local encaminhou-me para uma zona onde estavam a cortar árvores e arbutos, tendo em vista fazer um corta-fogo e "aceiros" para impedir que as chamas descessem até junto da levada e do referido estabelecimento comercial, cujo proprietário evidenciava algum nervosismo. Logo percebi o porquê do alarme.

No breve trajecto até ao local dos trabalhos, o meu anfitrião, conhecedor do meu espírito crítico, não resistiu ao impulso da má-educação e disparou:

- Se é para criticar como aqueles que estão acolá, não é preciso!

Fiquei bloqueado com tamanha falta de chá e, passados alguns segundos, disse-lhe que apenas vinha ajudar, respopndendo ao apelo lançado na rádio. Ele indicou-me o guarda florestal e os bombeiros. Como ninguém me deu uma tarefa concreta para fazer, não resisti à tentação de conhecer os críticos que tanto incomodavam o político local. Aproximei-me do fotógrafo de um órgão de informação e de outro popular que o acompanhava. Mal encetámos diálogo, em cinco minutos, se tanto, fizemos o ponto da situação, relativamente ao problema dos incêndios na RAM, tendo-se destacado as declarações bombásticas de Rocha da Silva, na véspera, em que insinuou que o recurso a meios aéreos para combater os incêndios florestais era do interesse do "lobby" dos helicópteros. Rapidamente, o jardinismo e a sua vã tentativa de sacudir responsabilidades nesta matéria e noutras levou o popular a desabafar:

- O Jardim devia era estar aqui a apagar incêndios para ver como é... Como é possível terem passado duas semanas e ainda não terem conseguido acabar com este lume?!

Não pude deixar de concordar, mas resolvi cumprir com a missão que tinha assumido: responder ao apelo. Nesse sentido, disse-lhes que não adiantava, agora, criticar, que a prioridade era combater o fogo. E lá fui para mais próximo dos trabalhos. Nisto, o Comandante chegou com mangueiras e motores, pedindo para que fosse feito ali, dentro da levada uma espécie de poço, donde seria levada água para apagar o fogo que não víamos.

Foi a oportunidade para começar a ajudar. Peguei na enxada e pus-me a tapar a levada seca. Outro popular fez o mesmo, uns metros mais adiante, até que a água chegou numa mangueira. Num ápice, fez-se chegar o precioso líquido ao cimo da encosta, graças à ajuda de um motor.

Mas não me sentia totalmente satisfeito, passando a maior parte do tempo, na levada dos Balcões, apenas a enrolar mangueiras e a desimpedir a passagem da água. Queria apagar fogo!

O meu desejo concretizou-se - e de que maneira! - daí a pouco, quando começámos a ver uma mancha negra de fumo e a ouvir um ruído de labaredas a deflagrar no topo da encosta, um pouco mais a leste do corta-fogo. Rapidamente, um valente bombeiro trouxe um motor e mangueiras para tentar levar água até ao foco de incêndio, mas a potência da máquina não era suficiente para a fazer chegar ao local pretendido. Como já, finalmente, tinha subido um pouco da encosta para auxiliar no transporte do equipamento, perante a ineficácia do mesmo, perguntei ao sr. Comandante se não era preferível tentar dominar o fogo manualmente, através de enxadas, pás e ramos de folhas verdes. Como ele não se opôs à sugestão, já que não disse nada, resolvemos subir a íngreme encosta ao encontro das chamas.

O fotógrafo, mesmo sem calçado apropriado, seguiu o exemplo, mas com o intuito de cumprir o seu dever profissional. Eu afastei-me dele e fui ao encontro do poderoso vermelhão que me atraía um pouco acima. Aproximei-me das chamas, mas fui obrigado a recuar, tal era a elevada temperatura que se libertava das mesmas, devido à combustão de troncos de acácias. Rapidamente, concluí que não poderia combater essa frente do incêndio florestal que descia a encosta, batendo nas labaredas com ramos verdes. Então, peguei numa pá que um jovem voluntário utilizava, enquanto ele foi buscar outra, e comecei a atirar-lhes terra e a afastar tudo o que era passível de ser facilmente queimado: folhas secas, troncos e ramos de árvores mortas. Ao fim e ao cabo, pus-me a fazer uma espécie de "aceiro", que foi decisivo para que o fogo não se propagasse.

Depois de verificar que o fogo estava controlado, comecei a descer a encosta e reencontrei os outros voluntários que faziam o mesmo. Passado algum tempo de vigilância, com alguns sustos à mistura, pois de vez em quando ouvíamos ruídos assustadores de pedras e troncos encadescentes que se soltavam e ameaçavam não só a nossa integridade física mas também o reacendimento do incêndio, regressámos à levada, acompanhados pelo tal político local que ficou admirado por me reencontrar, exclamando «Você ainda está cá?! É um combatente!». Apenas retorqui que nunca fiz outra coisa na vida. Com ele e alguns voluntários, confirmámos que o incêndio estava, de facto, controlado, embora ele tivesse dificuldade em admiti-lo, pois dizia frequentemente que já há duas semanas que ouve dizer que estão controlados.

Constatei que a calma já se havia instalado junto do bar, onde a cerveja regava muitas gargantas secas, e, mais adiante, alguns bombeiros almoçavam tranquilamente. Convidaram-me, simpaticamente, a fazer o mesmo, mas eu disse que não merecia tal repasto, pois tinha trabalhado muito pouco, comparando com o que eles haviam feito. Apenas aceitei uma laranja para matar a sede e disfarçar o cheiro a queimado que se havia impregnado no meu corpo e roupa.

Recuperado, graças à milagrosa laranja, decidi partir para outra frente, avançando pela levada com destino aos Balcões. Daí a pouco, reencontrei o sr. Comandante, que me informou que não valia a pena ir mais além, porque a zona estava perigosa, devido às sucessivas quedas de pedras. Acreditei e regressei com eles até ao centro das operações, onde me apercebi que o trabalho estava concluído. Daí em diante apenas seria feita vigilância.

Despedi-me e regressei até à zona comercial do Ribeiro Frio, onde me cruzei com o sr. Presidente da Câmara e o sr. Vereador João Gabriel, que me disseram que o pior já tinha passado, mas que tinham decidido fechar o acesso aos Balcões por razões de segurança.

No dia seguinte, quando li a imprensa e me apercebi que, afinal, o apelo feito não se dirigia a pessoas da minha idade, mas apenas a jovens estudantes da escola secundária, fiquei com a sensação de que o jovem autarca terá sido "chamado-à-pedra" por ter apelado à colaboração popular no combate aos incêndios. Provavelmente, o regime instalado vê nessa atitude de himildade louvável alarmismo e reconhecimento de incapacidade para lidar com o problema dos fogos florestais.

Receio, em suma, que esta será a primeira e última vez em que terei a oportunidade de responder civicamente a um apelo desta natureza. E não será por falta de incêndios!

Nota: Foto retirada de «insolitos.teamxanfre.com».

segunda-feira, agosto 09, 2010

Sondagem reforça Representante da República



A sondagem promovida por este blogue, no mês de Julho, com o objectivo de apurar o principal responsável pela não progressão dos docentes madeirenses, só não teve votos na opção Representante da República, o que pode significar que a sua actuação é considerada correcta.

Pelo contrário, 87% dos participantes no referido estudo de opinião apontaram a Secretaria Regional de Educação e Cultura (SREC) como a entidade com maiores responsabilidades no "congelamento" das progressões docentes. Esta elevada percentagem demonstra que a classe docente começa a "abrir os olhos" e já não se deixa embalar em histórias de literatura infantil...

Registe-se ainda 6,5% que responsabilizaram os sindicatos, sendo que igual percentagem optou por apontar o dedo aos próprios docentes, opiniões estas aparentemente descabidas, mas certamente fundamentadas nas posturas altamente interventivas e reivindicativas de certas organizações de classe e de alguns professores e educadores que continuam a acreditar no Pai Natal.

Resta, por fim, agradecer a todos os que participaram neste estudo de opinião de alto requinte científico.

sexta-feira, julho 23, 2010

JM, Diversão Total






O Jornal da Madeira está cada vez mais divertido. Começo a pensar que o dinheiro dos meus impostos encaminhado para esse projecto editorial - ou político? - é um óptimo investimento... na boa disposição da malta, sobretudo em tempos de depressão.

Achei um piadão aos recentes slogans da primeira página, que se transcreve: «Se quer viver informado, leia o Jornal da Madeira» (parte superior) e «Se quer conflitos inúteis, leia e ouça outros» (em baixo).

Apesar disso, proponho uma alteração à primeira frase, substituindo «informado» por divertido ou alegre, pois adequam-se melhor ao teor actual do JM, que nos ajuda a viver melhor, graças às infindáveis gargalhadas que os artigos de opinião e notícias nos causam. Ainda por cima, como não dedica espaço ao pluralismo, todos os textos mantêm a mesma linha de humor único.

A sublime diversão, porém, encontra-se no segundo slogan, pois é uma piada bem conseguida afirmar, em tom de ameaça, que ler e ouvir outros provoca conflitos inúteis... Esta é boa! Como se já não tivéssemos chatices mais do que suficientes, ir procurar outras é mesmo de masoquistas! Bom, provavelmente, este deverá ser humor negro, já que considerar a leitura e audição da concorrência susceptível de gerar conflitos desnecessários é um exercício humorístico desencadeador de risos altamente estridentes...

E ainda há quem queira fechar este pasquim do nosso contentamento! Já imaginaram o que seria de nós sem as piadas sobre os ex-padres, ex-seminaristas e fascistas do outro lado da Fernão Ornelas? Não nos deixem cair nesse tédio, continuem a alimentar essa guerra religiosa entre católicos e protestantes, embora saibamos que ela sirva apenas para "inglês ver", já que os primeiros também têm voz e pena nos órgãos de informação oponentes.

terça-feira, julho 20, 2010

Sondagem sobre congelamento das progressões



Faltam apenas 6 dias para encerrarmos a sondagem que se encontra à esquerda deste écran, onde pretendemos saber «Quem é o principal responsável pela não progressão dos docentes da Madeira».


Como opções de resposta, colocámos a SREC (Secretaria Regional de Educação e Cultura), que, neste momento, recebeu 100% dos votos expressos, o Representante da República, os Sindicatos e os Docentes.

Participe nesta iniciativa deste blogue, que, mesmo sendo parodiante, também aborda assuntos sérios, nem que seja para, posteriormente, melhor caricaturar os vencedores da sondagem.

Não se esqueça: a sua opinião aqui conta! Experimente votar para ver que o seu voto é imediatamente contabilizado!

(Imagem retirada de calipolensebasket.files.wordpress.com)

terça-feira, julho 06, 2010

Que venham mais devoluções



A notícia do dia, no que aos docentes diz respeito, é a devolução, por parte do Representante da República na Madeira, do polémico diploma que, segundo o partido que o aprovou, iria permitir a progressão na carreira dos professores e educadores em exercício de funções na RAM, que parece que estão de castigo, desde 2005, por serem bons, a avaliar pelos elogios públicos do Grande Chefe da Tribo Laranja...

Nas anteriores devoluções a que o ECD-RAM foi sistematicamente sujeito, alegava o Representante do Rectângulo que a classe docente da Madeira ficaria beneficiada. Agora diz o contrário e, ao que apregoa o partido maioritário, Monteiro Diniz prestou "assessoria jurídico-constitucional", aquando da elaboração deste documento. Como é que ficamos, então, para além de eternamente congelados?!

Até parece que tudo se conjuga para que a vontade da classe política dirigente seja sempre satisfeita, actuando de forma aparentemente consertada para prejudicar os docentes, repartindo alternadamente responsabilidades pelos sucessivos entraves colocados ao não desbloqueamento da situação. Entretanto, quando surge a ocasião, o Big Boss encarrega-se de insuflar ar no peito dos professores e educadores, através de elogios de circunstância, que muitos aplaudem, sem perceber que estão a ser enganados...

Se não é isto, então, trata-se de pura incompetência! Nesse caso, só nos resta pedir que também sejam todos devolvidos ao anonimato donde saíram, às suas profissões anteriores, porque já estão todos fora de prazo.

Entretanto, resolva-se a situação da classe docente regional, adaptando à RAM o ECD nacional, com a máxima urgência. Por fim, encerrem definitivamente a Assembleia Regional e o Palácio de São Lourenço, já que não são capazes de solucionar um problema como este, que até nem é dos mais complexos, juridicamente falando. Seria uma forma de se poupar milhões de euros, sem ser à custa do elo mais fraco, os trabalhadores.

sábado, julho 03, 2010

Resposta e contra-resposta de e a Miguel Tiago


A propósito do nosso penúltimo post - O grande exemplo da Educação madeirense -, quis o sr. deputado Miguel Tiago divertir-nos com as suas explicações acerca das declarações que proferiu após reunião na SREC. Apresentamo-las na íntegra bem como a reacção bem disposta que as mesmas nos merece:

«Caro amigo João Ramos Sousa,

Quero em primeiro lugar cumprimentá-lo pela administração do seu blog e pelas suas posições críticas perante a realidade com que não se conforma. A insatisfação concretizada é, nos dias que correm, uma escassa riqueza.

No entanto, gostaria de lhe dirigir uma breves correcções.
O deputado comunista que refere no seu post de 14 de Junho sobre a visita da Comissão Parlamentar de Educação e Ciência sou eu próprio e julgo que deveria informar-se melhor sobre as posições que o PCP expressou nessa visita antes de poder escrever como escreveu. Para tal, é importante que eu possa esclarecer-lhe alguns pormenores que podem não resultar claros da leitura da imprensa regional ou sequer do visionamento dos jornais televisivos.


1. Em momento algum, o PCP foi entrevistado ao longo dessa visita. De forma alguma, tive oportunidade de representar ou apresentar as posições do meu Partido nas entrevistas em causa, tenham sido para rádio, televisão ou jornais.
2. Todas as declarações que prestei à imprensa foram estritamente no âmbito da tarefa institucional que estava a desempenhar, como Presidente da Comissão de Educação e Ciência da Assembleia da República. Como tal, deixei várias vezes claro junto dos jornalistas que não teceria comentários de natureza política sobre qualquer reunião tida na RAM, pois não estava ali para julgar absolutamente nada enquanto Presidente da Comissão.
3. Caso não saiba, o que é natural, os Presidentes das Comissões Parlamentares falam por todos os Grupos Parlamentares, não podendo por isso expressar as suas posições políticas próprias. Isso significa que, quando em tarefa de presidência, o deputado reveste-se de uma tarefa distinta, não podendo ou não devendo falar em nome do seu partido, mas em nome de toda a comissão.
4. Em momento algum, posso assegurar-lhe, valorizei ou desvalorizei a política do governo da RAM na qualidade de Presidente, até porque isso seria de todo incompreensível no quadro de uma visita institucional e seria um desrespeito pela autonomia, sendo que, no caso concreto eu estava em representação da Assembleia da República e não do Grupo Parlamentar do PCP. Imagine o que seria, o Presidente da Assembleia da República dirigir-se a um Estado estrangeiro ou a uma Região autónoma e criticar a organização política do estado que visita. É uma questão de cumprimento da tarefa que nos foi confiada…
5. Como é óbvio, não me agrada nem agradou, de forma alguma ser o chefe da delegação parlamentar da AR na visita à RAM. Como certamente compreenderá, teria muito mais convicção se estivesse livre em representação do meu Grupo Parlamentar. O que aliás já sucedeu. Aproveito para lhe dizer que tenho todos os motivos para criticar o governo da RAM, particularmente tendo em conta que na penúltima deslocação que aí fiz em representação do GP PCP me foi barrada a entrada numa Escola Secundária, em claro desrespeito pela Lei da República e pelo Estatuto dos Deputados. Situação que denunciei em bom tempo e para a qual não recordo ter tido o seu apoio na denúncia.
6. As minhas declarações enquanto Presidente da Comissão Parlamentar cingiram-se estritamente a assinalar informações que nos foram dadas, sem tecer juízos de valor. Referi que o esforço da Universidade e dos Projectos de Investigação em energia poderiam vir a afirmar-se no plano internacional e nacional, caso viessem a dar frutos. Referi que tivemos oportunidade de conhecer uma realidade diferente no que toca à Educação, de acordo com as informações da SER, e quando questionado se queria destacar alguma disse o seguinte: “é curioso verificar que não é líquido que tenham de existir quotas para muito bom e excelente na avlaiação e que não seja obrigatório optar por directores de escola, podendo manter-se o órgão colegial”. Foi essa a minha resposta a uma questão concreta. Não estou a valorizar nem a desvalorizar, mas apenas a assinalar que, mesmo num quadro de políticas educativas negativas, não é líquido nem fatal que tenha de se optar por imposições como no continente. Foi a única coisa que assinalei.
7. Como é óbvio, e apelo a sua compreensão para esse facto, apenas nas reuniões – no interior das salas – expressei a posição do meu Partido, nomeadamente nas reuniões com o SR Ciência, com o SR da Educação e com a Comissão de Educação da ALRAM. Nessas reuniões, com a legitimidade de deputado do PCP questionei e confrontei PS e PSD com as suas políticas de destruição da escola pública, de privatização e de desmantelamento. Julgo que qualquer pessoa compreenderá que teria sido inaceitável fazer-me valer do facto de me encontrar em substituição do Presidente da Comissão de Educação e Ciência – Deputado Luís Fagundes Duarte, do PS – para falar em nome da Comissão transmitindo as posições do PCP.

Lamento pois que a Comunicação Social não tenha deixado claro que as declarações que fiz – que não teceram qualquer tipo de juízo positivo ou negativo – não tenham sido pronunciadas enquanto deputado comunista, mas enquanto substituto do Sr. Presidente da Comissão de Educação e Ciência.

Perguntar-me-á se me agradou fazer tal papel. Responder-lhe-ei que não. Que preferiria ter desempenhado o meu papel de Deputado em representação do PCP dentro e fora das reuniões. No entanto, referi várias vezes à comunicação social que cada Grupo Parlamentar faria a sua interpretação do que ouviu e do que viu e que cada um leva mais conhecimento e mais experiência e que as posições dos Grupos Parlamentares seriam diversas. Peço-lhe que não julgue as posições do PCP com base apenas do que lê numa imprensa ou ouve na rádio e telejornais que são precisamente os mesmos que paulatina e sistematicamente atacam o PCP e as suas posições, distorcendo sempre que necessário. Mais ainda lhe peço que não julgue as posições do PCP por via de declarações inócuas – vazias praticamente de qualquer conteúdo político e partidário – que um deputado comunista possa fazer quando se encontra em representação da Assembleia e não do seu Grupo Parlamentar.

Aproveito para lhe afirmar que não deve temer a falta de apoio e solidariedade do PCP-M, tal como do PCP, das suas estruturas e das suas representações institucionais pois é firme o nosso compromisso com a defesa da actividade docente, com a dignificação dessa carreira, como elementos essenciais e incontornáveis para a defesa da escola pública, quer no continente quer nas regiões autónomas. Estou aliás, certo de que conhece esse compromisso do PCP e que nunca encontrará no PCP um partido que vire as costas à luta. Afirmo-lhe também o nosso firme compromisso, regional e nacional, de combate às políticas de precariezação dos recursos humanos na educação, de propaganda e de ataque à qualidade do ensino.

Informo-o, aproveitando esta ocasião, de que na reunião da Comissão de Educação da Assembleia Legislativa da RAM estiveram presentes o PS, PCP, CDS e PSD, por parte dos deputados regionais e o PS, PSD, CDS e PCP por parte da Assembleia da República. Dessa reunião, apenas o PCP e o PS regional criticaram o sistema educativo da Madeira e deixaram diversas preocupações em cima da mesa. O Deputado do PS chegou mesmo a atacar veementemente a Escola a Tempo Inteiro entretanto em prática na Madeira. Porém, os deputados da Assembleia da República do PS valorizaram o inglês no primeiro ciclo, a escola a tempo inteiro e um conjunto de outras políticas regionais, tal como fez o PSD. O CDS apenas colocou questões e não teceu comentários de juízo político. O PCP criticou o rumo de submissão da Escola ao Mercado e a privatização galopante do sistema educativo, criticou as políticas de recursos humanos e as actividades de enriquecimento curricular, acusando o Governo da República e o Governo da Região de agirem à margem da Lei de Bases do Sistema Educativo. Permita-me até que partilhe consigo a brincadeira que fiz com o Deputado do PS-Madeira ao dizer-lhe: “finalmente percebi porque é que os deputados da madeira se abstêm nas votações da assembleia da república quando se fala das regiões, é que, de facto, as vossas posições não têm absolutamente nada a ver com as posições do PS no continente.”, pois quem ouvisse o Deputado do PS-M jamais diria que é do mesmo partido que está no poder em Portugal e que é orientado por Sócrates.

Como vê, o único Partido que foi, de facto incoerente, foi o PS, defendendo uma coisa na ALRAM e outra na AR, o que ficou bem patente na reunião com a Comissão de Educação da ALRAM. O BE esteve ausente em toda a visita, quer por parte dos deputados regionais, quer por parte dos deputados da república.

Espero, de alguma forma, ter contribuído para desfazer aquilo que julgo ter sido um compreensível equívoco. Caso contrário, não hesite em contactar-me para me exigir as devidas explicações.

Melhores cumprimentos,

Miguel Tiago, Deputado do PCP»

______________________

Contra-resposta

«Viva!

Começo por pedir desculpa por apenas agora lhes responder. Sabeis como é a vida dos professores… não fazem nada, mas as tarefas são cumpridas, como exames nacionais corrigidos, matrículas efectuadas,…

Antes de mais, lamento imenso ter feito perder parte do tempo precioso do sr. Deputado Miguel Tiago e do Vice-Presidente da Comissão de Educação e Ciência da Assembleia da República com o mesmo nome, porque isto de uma pessoa andar a se desdobrar em papéis e protagonismos diversos não é tarefa fácil. A não ser que tenha o dom da ubiquidade ou, então, que tenha a genialidade de Fernando Pessoa, que se
multiplicou em diferentes heterónimos…

Vossas Excelências têm toda a razão! Trata-se, efectivamente, de um enormíssimo equívoco tudo o que foi parodiado no blogue, já que se infere do esclarecimento que nos foi enviado que, na verdade, o Vice-Presidente da mencionada comissão, no exercício pleno desse cargo, foi obrigado pelos membros da mesma a ler uma comunicação neutra (Telejornal Madeira, 20´14´´) aos media, onde releva aspectos positivos do sistema educativo madeirense como a inexistência de quotas para aceder aos níveis de excelência. Ficou claro que tudo isto foi feito sob protesto do deputado Miguel Tiago, que, coerentemente, se manteve fiel às posições do seu partido e do eleitorado que representa. Penitencio-me, pois, por não ter feito essa leitura, nas entrelinhas da comunicação social, que, evidentemente, distorceu factos ao não mostrar as espingardas atrás das suas costas a coagi-lo. Por conseguinte, também culpo-a por me ter induzido em erro. Como não fui capaz de deduzir que tais declarações resultavam de uma forte coacção exercida pelos outros deputados da Comissão e do elevado sentido de Estado do referido Vice, sempre pronto para cumprir as suas funções de alta autoridade nacional?! Jaime Gama e Almeida Santos também queixaram-se da falta de compreensão dos madeirenses relativamente aos elogios proferidos enquanto autoridades nacionais… Enfim, nós, madeirenses, somos assim: tão pequeninos que apenas vemos os nossos umbigos e não alcançamos os desígnios estadistas das autoridades nacionais!

Garanto, por outro lado, ao sr. Deputado Miguel Tiago, do PCP, que não tenho dúvidas quanto às suas razões de crítica relativamente ao Governo Regional da Madeira, em matéria educativa. Quem é que não as tem? O problema é o Vice, que, com o deslumbramento evidenciado, pode contagiar o referido parlamentar. Uma vez que o lamentável episódio do acesso vedado a uma escola da RAM aconteceu antes do tribuno da nação desempenhar o mencionado cargo, é legítimo questionar se actualmente participaria numa iniciativa político-partidária anti-SREC. A este propósito, é natural que não se recorde do meu apoio à mencionada denúncia, pois explicitamente não o fiz. Este blogue fez um ano no passado mês de Maio e esse incidente, se não me falha a memória, é anterior...

Por fim, e para encerrar esta paródia, pois não posso levar a sério este episódio, sob pena de deixar de acreditar nos nossos representantes no parlamento nacional, permita-me, sr. Deputado Miguel Tiago, um conselho amigo: quando vier à Madeira, deixe o Vice em Lisboa, porque ele só atrapalha e, além do mais, não votámos nele, logo ele não nos representa, e não se esqueça que para, para o bem e para o mal, você é que foi eleito deputado do PCP e, se desempenha esse serviço à comunidade e outros cargos institucionais na Assembleia da República, é essencialmente devido ao voto popular. Escudar-se no estatuto de autoridade nacional fica-lhe bem, mas não o iliba de responsabilidades. Aliás, se assim fosse, nunca poderíamos acusar Sócrates de ter metido o socialismo na gaveta, enquanto Primeiro-Ministro, pois fê-lo no exercício de um cargo governamental e não político-partidário... Como custa admitir o erro!...

Cumprimentos,

João Sousa»

Tributo a Saramago


José Saramago, o nosso Nobel da Literatura, partiu. Ainda me custa aceitar a ideia de que não terei o prazer de ler novos romances deste singular escritor da Língua Portuguesa. Confesso que, em certo sentido, me sinto "órfão" ou como alguém afirmou, no elogio fúnebre, fiquei sem palavras «porque Saramago levou-as todas». Daí esta ausência de postagens.

Contudo, Manuel Alegre, que ainda não é o Presidente da República e que assumiu uma postura de grande estadista, afirmou, com grande clarividência, que «o melhor tributo que podemos prestar a José Saramago é ler as suas obras. Nesse sentido, reproduzo, abaixo, um excerto de Memorial do Convento, um autêntica paródia ao reinado de D. João V, que é a metáfora da obras megalómanas dos dias de hoje:

«D. João, quinto do nome na tabela real, irá esta noite ao quarto de sua mulher, D. Maria Ana Josefa, que chegou há mais de dois anos da Áustria para dar infantes à coroa portuguesa e até hoje ainda não emprenhou. Já se murmura na corte, dentro e fora do palácio, que a rainha, provavelmente, tem a madre seca, insinuação muito resguardada de orelhas e bocas delatoras e que só entre íntimos se confia. Que caiba a culpa ao rei, nem pensar, primeiro porque a esterilidade não é mal dos homens, das mulheres sim, por isso são repudiadas tantas vezes, e segundo, material prova, se necessária ela fosse, porque abundam no reino bastardos da real semente e ainda agora a procissão vai na praça. Além disso, quem se extenua a implorar ao céu um filho não é o rei, mas a rainha, e também por duas razões. A primeira razão é que um rei, e ainda mais se de Portugal for, não pede o que unicamente está em seu poder dar, a segunda razão porque sendo a mulher, naturalmente, vaso de receber, há-de ser naturalmente suplicante, tanto em novenas organizadas como em orações ocasionais. Mas nem a persistência do rei, que, salvo dificultação canónica ou impedimento fisiológico, duas vezes por semana cumpre vigorosamente o seu dever real e conjugal, nem a paciência e humildade da rainha que, a mais das preces, se sacrifica a uma imobilidade total depois de retirar-se de si e da cama o esposo, para que se não perturbem em seu gerativo acomodamento os líquidos comuns, escassos os seus por falta de estímulo e tempo, e cristianíssima retenção moral, pródigos os do soberano, como se espera de um homem que ainda não fez vinte e dois anos, nem isto nem aquilo fizeram inchar até hoje a barriga de D. Maria Ana. Mas Deus é grande» (p. 11).


Até sempre, Saramago!