quinta-feira, maio 28, 2009

A utilidade das leis inúteis


Há leis que são produzidas, aprovadas e publicadas apenas porque sim, ou seja, são manifestamente inúteis, não acrescentam nada ao edifício jurídico, são redundantes, já que se limitam a reproduzir o que está consagrado noutros diplomas legais. Mas têm utilidade. Servem para as bancadas parlamentares mostrarem trabalho, agradarem a certas franjas da sociedade e, consequentemente, receberem a chatice da renovação do mandato dos deputados no Parlamento... Isto tudo, apesar do incómodo que é para os jusristas ter que conhecer novas leis, decretos-lei e decretos regulamentares, mesmo que isso contribua para os jovens formados em Direito conseguirem arranjar trabalho, desculpem, emprego...

Isto tudo vem a propósito da Lei n.º 23/2009 de 21 de Maio, a tal que diz que consagra a garantia de intercomunicabilidade entre os docentes provenientes das Regiões Autónomas com o restante território nacional, que muito boa gente já tinha esquecido que havia sido assegurada pelo Decreto-Lei n.º 104/2008 e pelo Decreto Regulamentar n.º 3/2008. Costuma-se dizer que, depois de tanto falarem em intercomunicabilidade e de tanto penalizarem os docentes que exercem funções na RAM em nome da salvaguada da dita cuja, «não há fome que não acabe em fartura»...

O engraçado desta febre de produção legislativa, por acaso em ano eleitoral, para além da canseira que causou aos atarefadíssimos parlamentares nacionais, é que vai ter uma utilidade inusitada. Quando a Assembleia Legislativa da RAM discutir em plenário o Relatório da Comissão de Educação sobre a petição que o SPM apresentou para que sejam desencadeadas iniciativas legislativas conducentes à recuperação do tempo de serviço "congelado", a maioria parlamentar já não pode fundamentar o seu voto desfavorável alegando questões de intercomunicabilidade, porque ela está garantida, com todas as letras, na referida lei. Com esta partida, não contava o PSD/Madeira, que também esteve de acordo com este diploma. Que vai inventar, então, desta vez a maioria parlamentar? Sempre pode socorrer-se do perigo dos Raios UVA, da Gripe Suína, do preço elevado das viagens aéreas entre a Madeira e o Continente... Enfim, uma panóplia de argumentos que merecerão o aplauso incontido de todos os trabalhadores da administração pública regional. Talvez por recear que tamanho apoio possa desequilibrar em demasia o resultado das eleições europeias, esse debate foi agendado para depois da realização das mesmas.

E ainda há quem fale em leis inúteis!...